Para quem já trilha os caminhos do Axé, a compreensão da profundidade do Candomblé vai além do rito e da fé. É uma percepção da sua potência como motor cultural, um legado que se integrou à essência do Brasil, muitas vezes sem que a gente sequer perceba sua origem ancestral. O Candomblé, forjado na resiliência e na sabedoria dos nossos antepassados africanos, não apenas sobreviveu à escravidão, mas se tornou um pilar fundamental que moldou a música, a dança, a culinária, a linguagem e as manifestações artísticas que hoje definem a nossa identidade nacional.


1. O Batuque que Virou Ritmo Nacional: Música e Dança

A sonoridade do Candomblé é a base rítmica de grande parte da nossa música. Os atabaques – o rum, rumpi e lé – com seus toques que chamam e reverenciam os Orixás, são a alma da percussão brasileira. Essa cadência sagrada transcendeu os barracões e floresceu em gêneros que representam a gente:


Samba: A roda de samba e o terreiro são espaços que se encontram demais! A estrutura de canto e resposta, a improvisação, o jeito de dançar em roda e o próprio "miudinho" dos sambistas carregam a ancestralidade dos xirês.

Axé Music e Afoxé: Esses ritmos, especialmente na Bahia, beberam direto na fonte do Candomblé. As letras cantam os Orixás, os ritmos de ijexá e de afoxé são claramente derivados dos toques de terreiro, mostrando o panteão e a cultura Yorùbá e bantu para milhões de pessoas.

Capoeira: A cadência do berimbau e a musicalidade da capoeira, com seus movimentos de ataque e defesa que viram dança, compartilham uma ancestralidade comum de expressão corporal e musicalidade com os rituais de Candomblé.


2. Do Igbá ao Prato do Dia a Dia: A Culinária de Axé

Nossas mesas estão cheias de sabores que nasceram nas cozinhas dos terreiros, preparados com todo o cuidado e a dedicação das mães e filhos de santo para honrar os Orixás. A culinária afro-brasileira é, em grande parte, a culinária do Candomblé, viu?


Acarajé: Mais que um quitute, é um ìṣàlè de Iansã, um alimento ritual que se tornou ícone da Bahia e patrimônio cultural. As Baianas de Acarajé, muitas delas iniciadas, são as guardiãs dessa tradição.

Vatapá e Moqueca: Com sua base no azeite de dendê e leite de coco, esses pratos, que vêm das adaptações da cozinha africana aqui no Brasil, estão presentes em oferendas e banquetes rituais.

Amalá, Ebô, Abará, Efó: Estes são só alguns exemplos de pratos diretamente ligados a Orixás específicos (Xangô, Oxalá, Iansã/Iemanjá, Oxóssi/Ogum, respectivamente) que, por serem tão ricos e saborosos, foram muito além dos limites do terreiro e se integraram ao nosso paladar nacional.


3. O Idioma do Sagrado na Nossa Fala do Dia a Dia: A Influência Linguística

O português falado no Brasil é uma mistura incrível de influências, e as línguas africanas, especialmente o iorubá (nagô) e as línguas banto, deixaram uma marca profunda. Muitas palavras do vocabulário do Candomblé foram absorvidas pelo nosso dia a dia, mostrando como o profano e o sagrado estão pertinho um do outro:


Axé: Talvez a palavra mais famosa, representa a "force vital", a "energia positiva" e a gente usa muito como saudação e desejo de bem-estar.

Dendê: O fruto e seu azeite, super importantes na culinária e nos ritos, é um termo que está por toda parte.

Banguela, Cafuné, Cachimbo, Cachaça, Caçula, Mandinga, Moleque, Quiabo, Xodó: Essas são só algumas das muitas palavras de origem africana, muitas vezes ligadas ao universo dos terreiros, que viraram parte do nosso vocabulário do dia a dia.


4. Sincretismo e Festividades: A Presença Viva na Fé Popular

O sincretismo, muitas vezes uma tática de resistência para "esconder" o culto aos Orixás sob a aparência dos santos católicos, criou uma união complexa que aparece em grandes celebrações populares:


Lavagem do Bonfim: Essa festa linda e simbólica da Bahia, onde as baianas, muitas delas do Candomblé, lavam as escadarias da Igreja do Nosso Senhor do Bonfim (Oxalá), é um exemplo super vivo da harmonia e coexistência de fés.

Festa de Iemanjá: A celebração da Rainha do Mar em 2 de fevereiro, quando milhares de devotos – candomblecistas e católicos (Nossa Senhora dos Navegantes) – jogam oferendas ao mar, é um momento de devoção que vai além das fronteiras religiosas formais.

Ogum / São Jorge: A associação de Orixás a santos permitiu que o culto continuasse e a tradição seguisse firme em tempos de perseguição, mostrando como o Axé soube se adaptar.


5. Expressões Artísticas: O Candomblé Inspira a Criação

A beleza, a complexidade e a profundidade do Candomblé inspiraram e continuam a inspirar artistas de tudo que é jeito:


Literatura: Nomes como Jorge Amado, Zélia Gattai e Carybé imortalizaram a vida e os ritos dos terreiros em suas obras, mostrando pro mundo a riqueza do Candomblé.

Artes Plásticas: Pintores, escultores e artesãos colocam a iconografia dos Orixás, as cores e os símbolos rituais em suas criações, deixando o patrimônio visual brasileiro ainda mais rico.

Teatro e Cinema: Muitas produções artísticas exploram as histórias dos Orixás, o dia a dia dos terreiros e a luta contra a intolerância, ajudando a espalhar o conhecimento sobre a religião.


Um Legado de Axé e Pertencimento

A influência do Candomblé na cultura brasileira é pra lá de importante e vai muito além do que a gente pode ver à primeira vista. É a prova da força de uma fé que, trazida sob as condições mais difíceis, floresceu e se tornou um dos pilares da nossa identidade. Reconhecer e honrar essa influência é celebrar a riqueza da nossa formação multiétnica, combater o preconceito e abraçar a pluralidade que faz do Brasil um país realmente único. O Axé dos Orixás está em tudo na nossa existência, chamando a gente pra reconhecer e valorizar essa herança ancestral que nos forma.