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Hoje trazemos uma análise sobre as recentes transformações no cenário religioso brasileiro, com foco no notável crescimento das religiões de matriz africana, como Umbanda e Candomblé. Os dados do Censo Demográfico de 2022, divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), revelam uma tendência que vai muito além dos números, refletindo a afirmação de identidades e a persistência na luta contra o preconceito.

Religiões Afro-Brasileiras: Um Salto Expressivo em Uma Década

 Entre 2010 e 2022, o número de adeptos das religiões afro-brasileiras no Brasil mais que triplicou, alcançando 1.849.824 pessoas, o que representa 1% da população total do país. Em 2010, essa taxa era de apenas 0,3%. Esse crescimento é o maior em termos proporcionais entre todos os grupos religiosos no período analisado.

 Curiosamente, a composição racial desses praticantes em 2022 mostra que 42,9% são brancos, 33,2% pardos e 23,2% pretos. Embora a proporção de pessoas brancas tenha diminuído ligeiramente (de 46,7% em 2010 para 42,9% em 2022), o número absoluto de brancos seguidores dessas religiões cresceu significativamente de 245 mil para 794 mil. Pardos e pretos também tiveram um aumento expressivo em seus números absolutos de adeptos, com 454 mil e 314 mil, respectivamente. A maior concentração de adeptos das religiões de matriz africana está nas regiões Sul (1,6%) e Sudeste (1,4%). No Distrito Federal e em sete estados, a maioria dos seguidores são autodeclarados brancos, enquanto na Bahia predominam os pretos, e nos demais estados, os pardos.

 Em termos de perfil, o grupo etário predominante nas religiões afro-brasileiras é o de adultos de 30 a 39 anos (21,6%), e as mulheres são maioria, representando 56,7% dos adeptos. No quesito escolaridade, 25,5% dos praticantes de Umbanda e Candomblé concluíram o ensino superior, sendo o segundo maior percentual entre os grupos religiosos, atrás apenas dos espíritas.

O Que Explica Esse Crescimento?

 Especialistas apontam diversas razões para essa expansão. Uma das principais é a crescente afirmação da identidade afro-brasileira, que tem incentivado as pessoas a declararem abertamente seu pertencimento a essas religiões. Segundo Maria Goreth Santos, analista do IBGE, e a pesquisadora Carolina Rocha, muitos adeptos, que antes se declaravam espíritas ou católicos por medo de retaliação e preconceito, agora se sentem mais seguros para expressar sua verdadeira fé.

 Esse movimento é um reflexo direto da mobilização política, cultural e comunitária de lideranças religiosas, coletivos de terreiros, influenciadores e movimentos sociais. A valorização da cultura afro-brasileira e as campanhas massivas contra a intolerância religiosa têm tido um impacto positivo. Além disso, a ampliação de políticas de inclusão racial, como a Lei de Cotas (2012), tem levado mais negros às universidades, aumentando a visibilidade dessas religiões entre os jovens e promovendo novas formas de pertencimento étnico-racial e religioso.

 A maior visibilidade na mídia, a valorização da ancestralidade e o avanço das discussões sobre direitos humanos também são fatores cruciais. As novas gerações, em particular, têm demonstrado um forte interesse em compreender e preservar essas tradições culturais.

A Luta Contínua Contra o Racismo Religioso

 Apesar do crescimento e da maior visibilidade, as religiões de matriz africana continuam sendo as mais atacadas pela intolerância religiosa no Brasil. Especialistas como o babalaô Ivanir dos Santos e a historiadora Valquíria Velasco, ressaltam que essa violência é, na verdade, um tentáculo do racismo estrutural brasileiro, e o termo "racismo religioso" é considerado mais preciso do que "intolerância religiosa".

 Historicamente, a demonização das práticas religiosas de origem africana remonta ao período colonial, quando eram vistas como "magia, superstição, idolatria, bruxaria" para justificar a escravidão e desumanizar os povos negros. Essa estigmatização persiste, e a aversão e o ódio não vêm do "desconhecido", mas da "pele preta dos devotos".

 Em 2023, o Brasil registrou 2.124 violações de direitos humanos relacionadas à intolerância religiosa, um aumento de 80% em relação a 2022, com São Paulo, Rio de Janeiro e Bahia liderando as ocorrências. Os casos incluem agressões físicas, destruição de templos e objetos sagrados, insultos públicos e expulsões de comunidades. A historiadora Valquíria Velasco lembra de casos chocantes, como o de uma menina de 11 anos apedrejada na rua por usar vestes de candomblé.

Caminhos Para o Combate e a Promoção da Liberdade

 Em face dessa realidade, o combate ao racismo religioso tem se intensificado. O Disque 100, canal gratuito do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC), é uma ferramenta vital para denúncias, e o aumento de 79,39% nas violações registradas entre 2022 e 2023 indica que mais casos estão vindo à tona. O MDHC criou a Coordenação-Geral de Promoção da Liberdade Religiosa para atuar na promoção da liberdade religiosa e no combate à discriminação e ao racismo religioso.

 O Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa, celebrado em 21 de janeiro, foi oficializado em 2007 em homenagem à Iyalorixá Mãe Gilda, que foi vítima de difamação e agressões por sua fé. A legislação brasileira também avançou com a Lei 14.519, que instituiu o Dia Nacional das Tradições das Raízes de Matrizes Africanas (21 de março), e a Lei 14.532, que equiparou a injúria racial ao crime de racismo e cita especificamente o racismo religioso, com penas de até cinco anos de prisão.

Especialistas defendem que o combate ao racismo religioso deve atuar em três frentes principais:

  1. Educação: Ensinar às crianças o respeito às diferenças e a história e cultura afro-brasileira nas escolas, conforme a Lei 10.639 (2003).
  2. Representatividade: Promover uma visibilidade positiva das religiões de matriz africana na mídia, em novelas e filmes.
  3. Jurídica: Aplicar rigorosamente as leis antirracistas.

 A luta contra o racismo religioso é fundamental para a própria democracia. Uma sociedade que tolera a perseguição de minorias corre o risco de fragilizar-se como um todo, tornando todos potencialmente vulneráveis.

 O crescimento das religiões de matriz africana no Brasil, portanto, não é apenas um dado estatístico. É um testemunho da resiliência, da força cultural e da persistente busca por reconhecimento e respeito em uma sociedade que, apesar dos desafios, avança em direção a uma maior pluralidade e afirmação de sua rica diversidade.