Justiça dos EUA Reconhece Perseguição Religiosa e Abre Caminho para Asilo de Brasileira Praticante de Candomblé
Uma vitória significativa foi alcançada na Justiça americana para uma brasileira que deixou seu país de origem após sofrer intensas ameaças por ser praticante do Candomblé. A Corte de Apelações do 9º Circuito, com sede na Califórnia, reconheceu por unanimidade o direito da mulher de solicitar asilo nos Estados Unidos por perseguição religiosa.
Entenda o Caso: Uma Vida Marcada pela Perseguição
A brasileira começou a frequentar cultos de Candomblé ainda na adolescência, sem o conhecimento de seus pais católicos. Em 2010, sua casa foi invadida por agressores que assassinaram seu pai e se referiram aos moradores como “bruxas” e “feiticeiras”. Desde então, ela e sua família enfrentaram um calvário de ameaças constantes, incluindo pichações ofensivas na fachada da casa. Além da violência direta, a família sofreu discriminação, enfrentando dificuldades para conseguir emprego e vendo os filhos serem alvo de bullying na escola. O novo entendimento da Justiça dos EUA reconhece que a brasileira e sua família correm risco de morte caso retornem ao Brasil.
O tribunal apontou “fartas evidências” de que a brasileira foi alvo de “assédio, vandalismo recorrente e em escala crescente, além de uma ameaça de morte durante uma invasão domiciliar armada”. Essa situação a obrigou a abandonar sua religião ou praticá-la de forma clandestina antes de deixar o Brasil.
A Luta Legal nos Estados Unidos
Apesar do histórico de perseguição, o pedido inicial de asilo da brasileira foi negado por um juiz de imigração, que argumentou que ela não havia sofrido ferimentos físicos duradouros e que sua alegação de perda de oportunidades de emprego devido à religião era “especulativa”.
Contrariando essa decisão, a Corte federal de apelações afirmou que a Justiça de imigração falhou ao não reconhecer o padrão de perseguição sistemática contra religiões de matriz africana no Brasil. A decisão unânime do colegiado revogou pareceres anteriores que consideravam os ataques sofridos pela mulher como meros episódios de discriminação, o que seria insuficiente para caracterizá-la como elegível à condição de refugiada.
A Corte determinou que o caso seja reavaliado pelo Conselho de Apelações de Imigração (BIA, na sigla em inglês), que deverá reconsiderar provas que haviam sido ignoradas anteriormente, como registros de ataques a terreiros em diferentes estados brasileiros. Com o novo entendimento, cabe agora ao governo norte-americano demonstrar que a brasileira e sua família estariam seguras caso retornassem ao Brasil.
Um Contexto de Crescente Violência Religiosa no Brasil
O caso da brasileira se insere em um cenário mais amplo de crescimento da violência religiosa no Brasil. Dados citados pelo relator do processo, juiz Richard Paez, indicam que a hostilidade contra religiões de matriz africana aumentou quase dez vezes entre 2016 e 2019. Somente em 2019, mais de 200 terreiros foram forçados a fechar suas portas devido a ameaças, o dobro do registrado no ano anterior.
De acordo com o juiz Paez, parte dessa violência está associada ao avanço do fundamentalismo religioso no país, inclusive com o envolvimento de facções criminosas em regiões de forte presença evangélica.
Vida Atual e Próximos Passos
Atualmente, a brasileira reside em Tracy, uma cidade no condado de San Joaquin, na Califórnia, com seu marido e um filho de 9 anos. Dois outros filhos permanecem no Brasil, sob os cuidados da avó materna. O marido e o filho mais novo estão listados como beneficiários em seu pedido de refúgio.
Em setembro de 2021, mesmo vivendo nos EUA, ela foi surpreendida por um homem encapuzado que invadiu sua casa e a ameaçou com uma arma. O agressor teria dito: “Bruxa, saia desta cidade com sua família da macumba. Isso é só um aviso. Da próxima vez, você não vai sobreviver”.
A decisão da Corte de Apelações é um passo crucial para garantir a segurança da família e reconhecer a gravidade da perseguição religiosa que sofreram. O caso agora retorna ao BIA, que tem a responsabilidade de reconsiderar as evidências e reavaliar o pedido de asilo.
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