A Dualidade Essencial: 

Feminino e Masculino no Culto Iorubá e nas Festividades

 Na rica e complexa cosmologia iorubá, a dualidade entre o feminino e o masculino não é apenas uma questão de gênero, mas um pilar fundamental para a compreensão do universo, da vida e do equilíbrio. Essa interdependência é vividamente expressa nos cultos e festividades, especialmente através da veneração às Iyamís e o papel central de Odudua.

Iyamí Oxorongá: O Poder Coletivo da Ancestralidade Feminina

 Iyamí Oxorongá (Ìyàmi-Òsòróngà) é uma divindade singular e suprema, pertencente ao grupo dos irunmolés da esquerda, o grupo das mães e dos filhos na nação iorubá. Ela está ligada ao princípio coletivo feminino e atua como catalisadora do poder divino da união das mulheres, sendo o receptáculo e a representação mítica da força e do poder delas. As mulheres, ao morrerem, agrupam-se em um só axé, diferentemente dos homens, que podem ser venerados individualmente no culto a Babá Egum.

 Seu nome exige cautela e grande reverência, pois sua força é ímpar e difere enormemente da dos orixás, uma vez que ela lida diretamente com o mundo dos mortos. Seu contraponto é Babá Oró, o representante do poder coletivo ancestral masculino, cujo culto envolve todos os orixás masculinos, especialmente os ligados à terra e à morte. A interação entre Iyamí Oxorongá e Babá Oró é crucial, pois é essa dualidade mulher/homem que produz a estabilidade e o equilíbrio entre os dois sexos.

 No Candomblé, nenhuma cerimônia pode ser efetuada sem que se reverencie Iyamí Oxorongá e se lhe façam oferendas para acalmá-la. A ausência dessa reverência pode levar a distúrbios e perturbações. Embora muitas vezes associadas à cólera e à feitiçaria (sendo chamadas de Ajés ou Eleyés — "proprietárias dos pássaros"), as Iyamís não devem ser vistas somente como símbolos do mal. Elas são, acima de tudo, "Grandes Mães" que detêm os poderes da vida, e o sangue da menstruação lhes pertence. Elas representam o axé da potência e da força da mulher, incluindo seu aspecto mais temível.

Odudua: A Matriarca do Poder Feminino Ancestral

 Quando nos referimos às Iyamí-agbá – "minha mãe anciã", "minha mãe ancestral" – estamos falando das divindades-mães do universo iorubano em sentido pluralizado. Estas são as representantes dos panteões do lado esquerdo, e Odudua é a sua matriarca.

O papel de Odudua é fundamental:

  • Ela é a matriarca das divindades-mães do universo iorubano, que representam os panteões do "lado esquerdo".
  • É a representante do poder coletivo ancestral feminino.
  • Dentro do contexto iorubá, foi a partir de Odudua que surgiu toda a descendência feminina.

Assim, Odudua é uma figura central na linhagem e na representação do poder feminino ancestral coletivo, sendo a origem da continuidade da vida feminina.

A Dualidade Celebrada: A Sociedade Secreta Geledê

 A dualidade feminino/masculino atinge uma de suas expressões mais marcantes nas festividades da Sociedade Secreta Feminina Geledê, que cultua as Iyamís. Seus postos superiores são administrados exclusivamente por mulheres. Anualmente, essa sociedade realiza uma festividade que reverencia coletivamente a ancestralidade feminina, buscando proteção, prosperidade e a união das Iyamís, em um momento de agradecimento pelo seu poder revigorante e restaurador da existência.

 O mais notável nessas festas é a participação dos homens: eles vestem-se de mulher e usam máscaras femininas, que são ornamentos exclusivos das Iyamís. Essa indumentária serve para reverenciar a mulher e ajuda a promover o necessário equilíbrio da junção feminino/masculino. A máscara simboliza o mistério do oculto e do segredo, revelando a mulher como a maior representante do mistério do Universo: a reprodução da vida.

 Apesar de Iyamí ser a força feminina concentrada, ela precisa do companheiro-homem para a renovação e o equilíbrio do aiê (mundo) e, principalmente, na reprodução. Portanto, é fundamental que os homens também cuidem e reverenciem as Iyamís. A aceitação da presença masculina nas festividades Geledê demonstra a forma tradicional do povo iorubá de homenagear e apaziguar as Grandes Mães Ancestrais, promovendo uma união que visa manter o equilíbrio e a confraternização entre os sexos.

O Controle Social e o Alerta Final

 As Iyamís também atuam no controle da ordem social e econômica do mundo, possibilitando o aprimoramento humano através dos erros das gerações anteriores. Se o homem se deixa dominar por predicados negativos como poder, cobiça e vaidade, elas intervêm para reestabelecer o equilíbrio.

 Finalmente, a cosmologia iorubá nos alerta que, independentemente da nação, o ser humano deve sempre prestar reverência aos seus ancestrais, masculinos ou femininos. Contudo, é crucial ter conhecimento e preparo antes de tentar penetrar em reinos recônditos e perigosos, como o reino das Iyamís.

 A capacidade primordial da mulher de gerar vidas é um dom único e intransponível. É por essa magia que todas as mulheres são também consideradas "ajé". É, portanto, com profundo respeito que se reverenciam as iyalorixás, donés, gaiakus, mejitós, mametos e todas as Grandes Mulheres do Candomblé que representam essa poderosa ancestralidade feminina. Axé!.