Abiaxé:
Nascidos no Axé e a Profunda Ligação Materna no Candomblé
No universo do Candomblé, a figura do Abiaxé (abí asé) é envolta em particularidades rituais e uma profunda conexão espiritual, definindo-se como a pessoa que "nasce no axé". Esta condição única estabelece um elo intrínseco com a iniciação ritual da mãe e o próprio destino espiritual da criança. Compreender o Abiaxé exige a análise de duas situações distintas, ambas de grande significado para a comunidade de Candomblé.
Cenário 1: A Mãe Ciente da Gravidez e o Nascimento no Rondêmi
A primeira e mais tradicional definição de Abiaxé refere-se à criança cuja mãe estava grávida ao ser recolhida para se iniciar e deu à luz dentro do rondêmi. O rondêmi é o espaço sagrado onde ocorrem as iniciações no Candomblé, tornando o nascimento neste local um evento de grande simbolismo.
Neste caso, a relação entre mãe e filho transcende o laço sanguíneo, tornando-se também um vínculo ritual profundo. A criança Abiaxé adquire o status de "irrnã-de-santo" e "irrnã-de-esteira" de sua própria mãe. Isso significa que elas compartilham não apenas um laço familiar, mas também um parentesco ritual, forjado no mesmo espaço e tempo de consagração.
As obrigações de iniciação são realizadas conjuntamente pela mãe e pela criança. É um momento de união espiritual e ritual sem precedentes. No entanto, embora iniciem juntas, as obrigações subsequentes da criança serão feitas individualmente, com as liturgias já direcionadas aos preceitos de seu próprio orixá – a divindade para a qual ela é consagrada.
É possível que, em um período posterior, se for determinado pelos Odus (os signos divinatórios), a criança tenha que raspar seu orí (cabeça, que é o assento do orixá e do destino individual). Essa raspagem é um rito fundamental de iniciação que, em sua "feitura" (iniciação) original, pode não ter sido realizada completamente ou não ter participado de todos os preceitos, dada a sua condição de recém-nascido.
Essa vivência compartilhada cria uma grande ligação espiritual e fraternal entre mãe e filho, que se tornam também "irmãs-de-barco" e "irmãs-de-axé". Este é um momento duplo e de grande alegria, celebrado por toda a casa de Candomblé.
Cenário 2: A Mãe Que Desconhecia a Gravidez na Iniciação
A segunda situação que caracteriza uma pessoa Abiaxé é a da criança cuja mãe não sabia que estava grávida quando foi recolhida para ser iniciada. Mesmo sem o conhecimento prévio, a iniciação da mãe confere à criança um status especial.
Neste cenário, a criança é consagrada, intra-uterinamente, a Oxalá ou a Iemanjá. Estas divindades são reverenciadas como o "pai e a mãe das cabeças", respectivamente, e a consagração inicial a eles reflete a proteção universal que oferecem. Esta é uma forma inicial de consagração ritual que acontece devido à própria iniciação da mãe.
No entanto, essa consagração inicial não é necessariamente a final. Em um período posterior, um Jogo de Búzios deverá ser consultado para que esta criança seja efetivamente consagrada ao seu verdadeiro orixá. O Jogo de Búzios é um sistema divinatório crucial no Candomblé, utilizado para consultar os orixás e desvendar caminhos e destinos. Se o jogo determinar, a criança também terá que raspar seu orí, pois este preceito específico não foi realizado na feitura de sua mãe e é fundamental para sua própria consagração.
A Importância da Relação Materna
Em ambos os casos, a relação entre mãe e filho é ritualmente muito significativa para as pessoas Abiaxés. A própria existência do Abiaxé e sua entrada no axé (a força vital e sagrada do Candomblé) estão intrinsecamente ligadas à iniciação ritual de sua mãe, estabelecendo um vínculo espiritual e ritual profundo e muitas vezes compartilhado. A trajetória de um Abiaxé é, portanto, um testemunho vivo da continuidade e da sacralidade das tradições do Candomblé, onde a vida e o axé se entrelaçam desde o ventre materno.
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