Ogum:
O Desbravador, o Guerreiro e o Arquiteto do Progresso Humano
No vasto e rico panteão dos orixás, Ogum (Ògún) se destaca como uma divindade multifacetada e essencial para a evolução humana. Conhecido como o senhor das cidades de Ondô e Irê, Ogum transcende a imagem de um mero orixá guerreiro, apresentando-se como um verdadeiro pioneiro e protetor da humanidade.
O Princípio da Criação e o Oráculo da Evolução
Ogum é um orixá que pertence ao princípio da criação. Sua importância é intrínseca ao progresso das civilizações, pois foi ele quem venceu a Idade da Pedra e a Idade do Ferro ao introduzir o uso de elementos e ferramentas que impulsionaram o desenvolvimento humano. Este papel fundamental lhe confere o nome de asiwajú, que significa “aquele que vem na frente”, “aquele que abre os caminhos”, associado ao futuro e ao desenvolvimento. Por essas razões, Ogum é considerado o orixá da evolução.
Origens Míticas e Ligações Profundas
As narrativas sobre a origem de Ogum variam em seus itãs (contos): ele pode aparecer como filho de Iemanjá e Orixalá, ou de Odudua com Orixalá. Ambas as mães são consideradas "mães míticas" de todos os seres, o que explica a grande ligação de Ogum com os seres humanos. Sua conexão com as árvores, por sua vez, provém de seu pai, o criador ancestral funfun, que vê nelas um simbolismo de seus descendentes.
É interessante notar que Ogum possui equivalentes em outras nações africanas: na nação Fon, há o vodum Gún ou Gú com características semelhantes, e na nação Bantu, o inquice mais parecido é Roximucumbi.
O Senhor do Ferro e o Pai das Profissões
Como o senhor do ferro e dos metais e das ferramentarias, Ogum foi o provedor dos ferramentais que permitiram ao homem criar utensílios para viver em comunidade. Ele trouxe inúmeras conquistas para o ser humano, colaborando ativamente na criação de variadas profissões.
- Agricultura: Ao criar ferramentas e instrumentos para cuidar da terra, Ogum criou o homem agricultor, ensinando-o a produzir sustento para sua família e comunidade. Ele é um dos pioneiros na agricultura, junto com Oxaguiã e Ocô.
- Artesanato e Construção: Ao criar máquinas para cortar e talhar madeira, ele abriu as portas para as profissões de marceneiro, artesão, construtor e carpinteiro.
- Caça e Pesca: Ao talhar a flecha e dobrar um arco, Ogum ensinou o homem a se abastecer através da caça e da pesca.
Por possibilitar todas essas conquistas e a evolução humana, é a Ogum que o ser humano recorre quando precisa obter seus bens materiais. Ele é reconhecido como o orixá organizador de diversas funções que ajudaram a terra a progredir, sendo patrono de mecânicos, engenheiros, físicos, agricultores e soldados.
O Guerreiro Inquieto e Protetor dos Caminhos
Embora tenha evoluído do agricultor para o guerreiro e caçador em constante movimento pelas estradas do mundo, Ogum é considerado principalmente um orixá guerreiro, conquistador. Sua índole é descrita como violenta, rude e enfurecida, o que é compreensível, pois um desbravador conquista à custa da derrota de outros. A posse e o ganho fazem parte de sua personalidade, e ele é um "orixá de época" pertencente às tradições primitivas.
No passado, Ogum guerreava incessantemente, devastando reinos opressores para garantir a liberdade de cidades e pessoas. Na atualidade, ele nos acompanha em nossas lutas diárias pela sobrevivência, na superação de problemas e em duelos físicos e espirituais, provendo segurança e proteção em nossos caminhos.
Ogum está muito ligado a Exu, seu irmão e grande companheiro, e ambos são os guardiões das estradas e das casas. Ele também é conhecido como "senhor dos pés" (olu essẹ́), a parte do corpo que permite a locomoção. Sua ligação com a mata e sua habilidade de caçador solitário o levam a dominar seus mistérios e segredos, compartilhando esse aspecto com Oxóssi.
Símbolos, Rituais e Proibições
Os instrumentos que dão vida à terra e a fazem produzir tornaram-se os símbolos de Ogum e são essenciais em seus assentamentos. Isso inclui miniaturas de enxadas, ancinhos, enxós, arados, lanças, flechas, espadas, torqueses, varetas e bigornas.
Seu assentamento é colocado ao ar livre, pois Ogum não gosta de limites ou contenção de suas ações. Ele é o vigia e guardião interno da propriedade, em conjunto com Exu que age externamente. Por essa razão, é chamado de orixá “olodê”, ou seja, “senhor do exterior”.
Na feitura de seus iniciados, Ogum tem prioridade, cedendo seu lugar apenas a Orixalá. Ele é o patrono da tesoura e da navalha usadas no ritual de iniciação.
Apesar de ser o símbolo do ferreiro, Ogum não admite a fricção de metal com metal, pois isso o remete à guerra e ao som de espadas. Por respeito a ele, em casas de candomblé, não se devem amolar facas ou atritar metais. Esta é uma proibição principal para seus filhos, que ao desrespeitá-la, podem atrair a ira do orixá. Seus iniciados também devem evitar passar por trilhos de trem que formem cruzamentos (ferro sobre ferro) e pelo centro de encruzilhadas, local onde seu poder está concentrado e de onde se redistribui para os caminhos.
Ogum utiliza elementos das matas para se vestir e proteger, mas não possui vaidade humana. Sua vestimenta preferida é o mariô, feito com folhas novas do dendezeiro, que lhe foi dado por Obaluaiê. Quando veste o mariô, Ogum manifesta seu poder, pois a palha cobre o mistério e esconde algo grandioso e perigoso. A coragem é sua força principal; ele não teme o desconhecido e enfrenta até a morte, sendo saudado com uma cantiga especial nos rituais de Axexê.
Em suas danças rituais, ao som dos atabaques, Ogum rodopia e guerreia, mas também inebria a todos com seu carinho e amor rudimentares. Seu alimento preferido nas cerimônias é o inhame (iṣu), uma das raízes mais antigas e importantes da agricultura.
Qualidades de Ogum: O panteão de Ogum possui muitas qualidades, entre as mais conhecidas estão:
- Ajô – guardião das casas de candomblé.
- Arê – ligado a Oxum e Iemanjá, às águas, e é o “senhor da cor dourada”.
- Ogum Ajá ou Ogunjá – parte dos “Três Grandes Guerreiros Brancos” (Ajagunã, Iagum e Ogunjá). Alguns itãs o relacionam à oferenda de cachorro.
- Mejê – ligação com Iemanjá e Oxóssi.
- Alabedé ou Abedé orum (Àgbede àrun) – o ferreiro mais velho, forjador das armas dos grandes caçadores, denominado “guerreiro do orum” e companheiro de Obatalá.
- Oromina – ligado a Exu e Xangô.
- Warín – mora nas águas, junto com Oxum.
Generalidades do Orixá:
- Nome dos filhos: ogunssi
- Dia da semana: terça-feira
- Elemento: terra
- Símbolo: espada
- Metal: ferro
- Cor: azul-escuro, branco, verde
- Folhas: peregum, panacéia, abre-caminho
- Bebidas: vinho branco
- Bichos: galo, cabrito, pequenos roedores e caça
- Saudação: Ogunhê!
Os Filhos de Ogum: Os filhos de Ogum geralmente são atléticos, vigorosos e musculosos. Possuem uma natureza dinâmica, impulsiva e intransigente, podendo ser violentos em alguns momentos, com dificuldade em equilibrar a convivência social. São viris e sensuais, fascinando parceiros, mas sem demonstrar grande dedicação ou valorização.
Extrovertidos, gostam de brincar, rir, comer e beber bem. Apreciam a convivência com pessoas de pensamento similar, sem se intimidar com divergências. São facilmente ofendidos, mas conseguem esquecer incidentes com a mesma rapidez. Contudo, mágoas profundas por ofensas doloridas são difíceis de perdoar.
São cuidadosos e observadores, não procurando brigas, mas também não as evitam, pois não têm medo de nada. Poucos se atrevem a contestá-los. São empreendedores e muito ativos, trabalhando incansavelmente. Cada dia é uma batalha a ser vencida para eles. São bons chefes de família e boas mães, dedicando-se incessantemente para prover todas as necessidades de sua prole.
Conclusão
Ogum, o irunmolé provedor de ferramentas, o senhor das cidades, o guerreiro conquistador e o orixá da evolução, é, em essência, o amigo e benfeitor do ser humano. Sua trajetória de desbravamento e sua constante ligação com o progresso material e espiritual o tornam uma figura central na compreensão da cultura e das tradições que o reverenciam. Ele nos lembra da coragem necessária para enfrentar os desafios, da importância do trabalho e da inovação, e da proteção constante em nossos caminhos.
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