Candomble Jeje


Desvendando o Candomblé Jeje:

Uma Jornada Pelas Raízes e Tradições Africanas no Brasil

O Candomblé, uma das mais expressivas religiões de matriz africana no Brasil, é um universo vasto e complexo, composto por diversas "Nações". Entre elas, destacam-se três pilares fundamentais que moldaram a paisagem religiosa do país: a Nação Jeje, a Nação Ketu (Yorubá) e a Nação Angola (Banto)1. Cada uma dessas nações possui sua própria linguagem, rituais e, claro, suas divindades.
Neste artigo, vamos mergulhar na Nação Jeje, compreendendo sua origem, seus deuses, sua estrutura e a profunda herança que deixou em terras brasileiras.

O Que é o Candomblé Jeje? 

A Origem de um Nome

 A palavra "Jeje" tem suas raízes no iorubá adjẹjẹ, que significa “estrangeiro” ou “forasteiro”.... Curiosamente, não existiu uma nação Jeje em termos políticos na África. O termo era frequentemente usado de forma pejorativa pelos Yorubás para se referir aos povos do leste, como os Mahins. Quando os povos africanos, vindos principalmente da Costa da Mina — regiões que hoje correspondem a Gana, Togo, Benin e Nigéria — chegaram ao Brasil como escravizados, a palavra "Jeje" foi utilizada para unificar esse grupo étnico-linguístico, que falava a língua Gbe e seus dialetos como o Ewe e o Fon....
Entre os grupos que formaram a Nação Jeje no Brasil, destacam-se os Fons, Mahins, Minas, Gans, Agonis, Popós, e Crus, entre outros... Eles se uniram para manter seus cultos e tradições, dando origem ao que hoje conhecemos como Candomblé Jeje.

Os Deuses Jeje:

Os Voduns

 No Candomblé Jeje, as divindades são conhecidas como Voduns. Diferentemente dos Orixás da Nação Ketu ou dos Inkices da Nação Angola, os Voduns representam espíritos ancestrais divinizados ou espíritos míticos que não possuem sepultura, sendo comparáveis aos antepassados míticos dos Orixás....


Alguns dos Voduns mais importantes incluem:

Ayzan: Vodun da nata da terra, protetor da esteira (azan).
Sogbô: Vodun do trovão, da família de Heviosso, com semelhanças ao Orixá Xangô....
Aguê: Vodun da folhagem, pertencente à família Caviuno.
Loko: Vodun do tempo e a árvore sagrada (gameleira branca), também da família Caviuno.
Nanã: Uma das divindades com origem nos Bariba, relacionada ao culto em Savê....
Dãng-bi: A divindade serpente, cujo culto nasceu em Ajudá e se desenvolveu no Dahomé.
Mawu-Lissá: Divindade que pode ser comparada ao Orixá Oxalá dos Yorubás.
Dan: A serpente sagrada, o rei e principal deus cultuado no Jeje Mahin, simbolizando movimento, vida, renovação e adivinhação....
Azansu: Vodun da família Caviunos, ligado à terra, riqueza e doenças.


 Os Voduns são frequentemente classificados em panteões, como o Panteão da Serpente (ligado a Dan, Dambala, Aidô, Edô) e o Panteão do Trovão (ligado a Heviosso, Sogbô, Averequete, Lá e Gbe Taió), que simbolizam aspectos da natureza e da vida. Também existe o Panteão da Terra (Azansu, Nanã, Euá).


As Variações da Nação Jeje no Brasil


 A Nação Jeje se manifesta em diversas ramificações no Brasil, cada uma com suas particularidades rituais e cultos:
Jeje Mahi (Djedje Maxi): É o culto de Jeje mais praticado no Brasil1. Seus Voduns se relacionam diretamente com os Orixás e são considerados antepassados míticos, sem sepultura. O Vodun Gbesen (Bessém) o representa. Este segmento é fortemente ligado ao culto da serpente Dan.


Jeje Dahomey: Cultua os Voduns reais, dirigentes do Dahomey, ligados à família de Heviosso.


Tambor de Mina: Predominante no Maranhão, cultua principalmente os Voduns reais do Dahomey, alguns Orixás nagôs, e os Encantados (Caboclos). A Casa das Minas, por exemplo, cultuava a família real do Dahomey, como a Rainha N'Ager (Maria Jesuína).


Jeje Modubi: É uma vertente que cultua Eguns (espíritos de pessoas que já desencarnaram) e o Vodum Azonsu.... Embora uma fonte indique que não se inicia Legbara no Jeje Modubi, outra afirma que sim, e que o culto a Eguns é característico desta nação.


Jeje Savalu: Apresenta uma fusão de culto, onde se adoram tanto Voduns quanto Orixás Yorubás/Nagôs.


A presença Jeje é forte em regiões como São Luís do Maranhão, Salvador (Bahia), Cachoeira e São Félix, e posteriormente no Amazonas e Rio de Janeiro.


Templos Históricos e Lideranças


A história do Candomblé Jeje no Brasil é marcada por importantes templos e figuras. A casa Kwe Ceja Undé, em Cachoeira (BA), conhecida como Roça de Baixo, é um marco. Foi fundada por escravizados como Manoel Ventura e Ludovina Pessoa (esposa de Manoel Ventura), que é considerada a fundadora do Jeje-Mahi no Brasil. A Kwe Ceja Undé é hoje Patrimônio Histórico material do Brasil. Ludovina Pessoa também é creditada pela fundação de outros terreiros, como o Zòogodo Bogum Malé Hundò (Terreiro do Bogum) e o Zòogodo Bogum Malé Seja Undè (Kwe Seja Undê para Dan).


 A Roça de Cima, também em Cachoeira, era liderada por Sinhá Romana e é oriunda do Jeje Dahomé. Muitos terreiros de Jeje mais antigos em funcionamento hoje, como o Bogum e o Seja Undê, surgiram a partir da Roça de Cima, consolidando o modelo litúrgico Jeje.

Cargos e Hierarquia no Candomblé Jeje

A estrutura hierárquica Jeje é distinta, com nomes específicos para os diferentes cargos:

Babalawo/Bokunó: Conhecedor dos mistérios e segredos do culto a Ifá (conhecido como Vodun-fá no Jeje), o "Deus do Destino".

Vodun-ses: Termo para os filhos de santo ou iniciados da Nação Jeje.

Megitó: Vodun-ses da família de Dan.

Doté: Vodun-ses masculinos da família de Kaviuno.

Doné: Vodun-ses femininas da família de Kaviuno.

Ogan: Posicionado hierarquicamente, com funções como:

Pejigan: O primeiro Ogan da casa, responsável pelo altar sagrado.

Runtó: Tocador do atabaque Run.

Runsó (Hùnsò: Pode ser a "mãe pequena" da casa, auxiliando e podendo substituir o zelador em algumas funções.

Ajoié/Ekedi: O equivalente feminino do Ogan. A palavra "Ekedi" é de origem Ewe (Jeje) e se popularizou em todas as casas de Candomblé no Brasil. A Ajoié é a "mãe que o orixá escolheu e confirmou", sempre chamada de "mãe" pelos integrantes da casa. Elas carregam uma toalha no ombro, que é sua principal ferramenta de trabalho e símbolo de seu cargo (óyé), e atuam como porta-vozes do orixá em terra, transmitindo recados importantes.

Abiyan: Não é apenas um frequentador (Lemó-mú); é uma pessoa pré-iniciada que está começando um novo caminho espiritual. O Abiyan pode usar fios de contas lavados, fazer a obrigação de bori, e desempenha diversas atividades no terreiro, como limpeza e auxílio em festas. Este período é crucial para a observação e convivência com os iniciados.

Noche: Sacerdotisa no Maranhão.

Toivoduno: Cargo masculino no Maranhão.

A Casa de Candomblé: 

O Kwe e o Runpame

 No dialeto Ewe-Fon, a casa de candomblé da nação Jeje é chamada de Kwe, que significa "casa". O local sagrado onde o Kwe está situado é denominado Runpame, que significa "fazenda".

Para o culto Jeje, é fundamental que a casa esteja afastada das ruas, em áreas florestais, com presença de árvores sagradas e rios, pois o culto depende intrinsecamente da natureza. Animais como o leopardo, crocodilo, pantera, gavião e elefante são identificados com os Voduns.

A Comida Sagrada: 

A Mesa Fria

 A comida é central em praticamente todos os ritos do Candomblé. Um dos rituais mais significativos envolvendo a alimentação é a Mesa Fria, um ritual hiper-ritualizado de comensalidade, principalmente no Candomblé Jeje-Nagô. A Mesa Fria é o ápice de um conjunto de ritos que começa com o jogo de búzios e o orô (ritual de imolação ou sacrifício de animais).

 Neste rito, a comida sacralizada, que foi ofertada aos orixás, é consumida fria, geralmente no chão sobre esteiras. Há variações: a comida pode ser consumida no dia seguinte à festa ou antes da festa pública. Em ambos os formatos, as divindades comem primeiro, depois os humanos e, por fim, a natureza (terra, matas, rios) recebe os restos.

 A noção de "desperdício" é externa ao terreiro, pois o que é descartado ritualmente (carrego ou eru) é, na verdade, uma oferenda que nutre outras bocas não-humanas, fechando um ciclo que começou com o orô e promovendo a manutenção da vida. A cozinha de um povo, incluindo o Candomblé, é uma linguagem que expressa sua identidade.

 Além de ser um rito ecológico, a Mesa Fria possui uma dimensão pedagógica (humbê), ensinando os iniciados sobre a hierarquia, as preferências culinárias dos orixás, suas quizilas (interdições) e o valor da comunhão. No Candomblé, o aprendizado se dá pela observação, audição, vivência e repetição, não apenas por perguntas e respostas.

A Iniciação: 

Feitura de Santo

 A Feitura de Santo é o ritual de iniciação no Candomblé, o momento mais importante na vida de um candomblecista. É um ritual secreto, geralmente inacessível a não-adeptos e restrito a indivíduos em escalas mais elevadas da hierarquia religiosa. O processo pode durar cerca de 21 dias. Durante a feitura, rituais como o Bori (alimentação da cabeça), a raspagem (do cabelo do iniciado) e o Ababaxé (envolvimento com sacrifícios e elementos rituais) são realizados, transformando o iniciado em uma iaô (iniciada), que nasce para servir e ser morada de seu orixá.

Conclusão

O Candomblé Jeje é uma das faces mais autênticas e resilientes das religiões africanas no Brasil. Sua história é um testemunho da capacidade de adaptação e preservação cultural dos povos africanos que foram forçados a uma nova terra. Ao compreender o Jeje, seus Voduns, suas casas sagradas e seus rituais complexos, ganhamos uma apreciação mais profunda pela riqueza e diversidade do Candomblé e pela incessante força do Axé que o mantém vivo.

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