Ibeji

Ibeji: 

A Essência da Alegria e da Dualidade no Candomblé

 Ibeji, cujo nome em iorubá significa "nascimento duplo" (ibi - nascimento e eji - dois), é uma divindade fascinante no panteão dos orixás, representando a dualidade, a infância e a multiplicidade das bênçãos. São, em essência, duas divindades gêmeas infantis, ligadas a todos os orixás e seres humanos. Sua presença é um lembrete constante de que tudo que se inicia e nasce carrega a energia de Ibeji, desde a nascente de um rio até o germinar das plantas e o nascimento de um ser humano.


Origens Míticas de Ibeji

 As narrativas sobre a criação ou origem de Ibeji são diversas, refletindo a rica tapeçaria da mitologia iorubá e do Candomblé:

  • Olodumaré como Criador Primordial: Em uma das lendas, Olodumaré, o ser supremo, decidiu criar os Ibejis para trazer alegria e prosperidade ao mundo. Ele moldou os espíritos luminosos de Taiwo e Kehinde, os gêmeos divinos, com um sopro divino.
  • Pais Orixás:
    • Alguns relatos apontam Iansã e Xangô como pais dos Ibejis.
    • Outras lendas especificam que os Ibejis foram paridos por Iansã, mas abandonados por ela e depois acolhidos e criados por Oxum como se fossem seus próprios filhos. Por essa razão, Ibeji é saudado em rituais específicos de Oxum.
    • Uma lenda também menciona que os Ibejis ganharam um presente de sua mãe adotiva, Iemanjá.
  • Origem ligada aos Abikus: Uma história iorubá narra que os primeiros Ibejis a nascer entre os iorubás foram Abikus, que eram dois macacos transformados. Eles entraram no ventre de uma esposa grávida, nasceram como gêmeos, morrendo e renascendo sucessivamente até que o pai parou de perseguir os macacos, e então os Ibejis nasceram e não morreram mais.


Características e Essência de Ibeji

 Ibeji é sinônimo de pureza, alegria e vitalidade infantil. Suas características são bem definidas:

  • Dia: Tradicionalmente, o domingo é consagrado a Ibeji. No Brasil, o Dia de Ibejada é celebrado em 27 de setembro, data que se confunde com o Dia de Cosme e Damião no calendário católico.
  • Cores: As cores associadas a Ibeji são azul, rosa e verde. Algumas fontes também citam branco e azul claro, simbolizando pureza, paz e tranquilidade.
  • Elemento: O elemento associado a Ibeji é a água doce, representando fertilidade e renovação.
  • Domínios: Ibeji domina o nascimento e a infância. São considerados protetores das crianças, gestantes e famílias, e são invocados para abençoar casais que desejam ter filhos.
  • Símbolos: Os principais símbolos são dois bonecos gêmeos (ou estátuas de madeira) e duas cabacinhas.

Ibeji é descrito como um espírito muito poderoso que age como anjo da guarda das pessoas. Devido à sua proximidade com Oxalá, que trata seus filhos com carinho, os pedidos de Ibeji são sempre atendidos por todos os Orixás. No culto africano, acredita-se que o poder de Ibeji pode desfazer o que outros orixás fazem.


O Papel de Ibeji na Vida dos Iniciados e no Candomblé

 Ibeji desempenha um papel fundamental na liturgia e no Axé das casas de Candomblé, especialmente nas nações Ketu/Nagô.

  • Proteção e Essência da Casa de Santo: Ibeji está presente em todos os rituais do Candomblé e é de suma importância para o Axé da casa. Como Exu, se não for bem cuidado, pode atrapalhar os trabalhos com suas brincadeiras infantis, desvirtuando a concentração.
  • Ligação com o Nascimento do Iniciado: Ibeji tem seus fundamentos voltados para o ariaxé e o ronkó de um Ilê Axé. São assentados e acompanham o nascimento do Orixá e o recolhimento do iniciado. Recebem oferendas em seu ojugbó toda vez que um neófito for se iniciar.
  • Proteção da Infância: A determinação de Ibeji é tomar conta da primeira infância até a adolescência, independentemente do Orixá que a criança carrega. Eles atuam como anjos da guarda.
  • Cerimônias e Oferendas: As festas de Ibeji são muito importantes, sendo o "Caruru de Ibeji" ou "Mesa de Ibeji" rituais significativos. Nesses eventos, são servidos doces, canja, frutas e brinquedos, especialmente para crianças, representando um "axé de saúde e prosperidade". Em alguns cultos, a mesa de Ibeji é servida com crianças de até 12 anos, que se sentam ao redor da toalha e recebem guloseimas. O culto a Ibeji também é uma forma de adaptar o culto a Abiku, oferecendo doces às crianças para que se fixem neste mundo.
  • Ligação com Oyá: Há uma forte ligação de Ibeji com Oyá, que os ampara e cuida. Em algumas tradições, pessoas de Oyá com obrigação de 3 ou 7 anos devem ter Ibeji assentado.


As Características dos "Filhos de Ibeji"

 Mesmo sem uma iniciação formal, muitas pessoas se identificam fortemente com as características atribuídas aos "filhos de Ibeji". São descritos como:

  • Pessoas com temperamento infantil e jovialmente inconsequentes, mantendo a criança que já foram dentro de si.
  • Brincalhonas, sorridentes e irrequietas, associadas ao comportamento típico infantil.
  • Podem apresentar variações bruscas de temperamento e dificuldade em permanecer muito tempo sentados, extravasando energia.
  • Suas tristezas e sofrimentos tendem a desaparecer com facilidade, sem deixar grandes marcas, como as crianças.
  • Gostam de estar no meio de muita gente, de atividades esportivas, sociais e de festas.
  • Podem ser muito dependentes em relacionamentos amorosos e emocionais, revelando-se teimosamente obstinados e possessivos.
  • Apresentam uma tendência a simplificar as coisas, especialmente em termos emocionais.


Ibeji e a Iniciação no Candomblé: Um Debate

 Um dos pontos mais debatidos no Candomblé é a possibilidade de iniciação (feitura/raspagem) para Ibeji. As opiniões variam consideravelmente entre as nações e tradições:

  • Visão Majoritária (Candomblé Ketu/Nagô e Culto Tradicional Africano): A maioria dos zeladores no Candomblé brasileiro e no culto tradicional africano afirma que não se inicia (raspa) pessoas para Ibeji. A principal justificativa é que são Orixás gêmeos (duos), e seu orô (ritual) não pode ser dividido para conceber um Orí individual. Fernando D'Osogiyan explica que Ibeji tem um papel diferente na liturgia, atuando como protetores do Axé e estando ligados ao nascimento do iniciado. Se Ibeji se manifesta em um jogo de búzios indicando forte influência, geralmente Oxum, Oyá ou Yemanjá são os Orixás que "assumem a cabeça" da pessoa. No culto tradicional africano, Ibeji é visto como uma "energia" ou "divindade" poderosa, mas que não possui o status de Orixá para ser iniciado, assentado ou incorporar.
  • Visão Minoritária/Regional: Há relatos que afirmam a possibilidade de iniciação para Ibeji em algumas nações. Nelson Souza menciona que "há casas que raspam sim" para Ibeji, embora "na maioria das casas de ketu não se raspa". Na nação Angola, Vunji (equivalente a Ibeji) "existe e pega nossas cabeças como os outros orixás". No Batuque do Rio Grande do Sul, Luccas e Maicon confirmam que ocorre tanto a iniciação quanto a manifestação de Ibeji, inclusive com nomes como Xangô Ibeji e Oxum Ibeji. Há também relatos específicos de pessoas iniciadas em Salvador e Campinas.

É importante notar que, mesmo onde não há iniciação direta, Ibeji é assentado no Candomblé brasileiro, especialmente nas casas Ketu/Nagô, e é considerado fundamental para o Axé da casa, recebendo oferendas na iniciação de neófitos e sendo protetor do ronkó.


Ibeji e o Sincretismo Religioso

 O Dia de Ibejada, celebrado em 27 de setembro, muitas vezes se confunde com o Dia de Cosme e Damião. Essa associação é um exemplo do sincretismo religioso ocorrido no Brasil, onde os africanos escravizados, proibidos de expressar suas crenças originais, passaram a usar nomes de santos católicos para cultuar suas entidades. Cosme e Damião, médicos gêmeos que cuidavam de crianças e foram beatificados, tornaram-se o paralelo católico para os orixás gêmeos. As celebrações em ambas as religiões, romana e de matriz africana, tradicionalmente envolvem a distribuição de doces, simbolizando a alegria do nascimento dos gêmeos.

 Em suma, Ibeji, a divindade da dualidade, da alegria e da infância, é um pilar no Candomblé, essencial para o Axé das casas e para o processo de iniciação. Embora a questão da iniciação para Ibeji gere debates e diferentes práticas entre as nações, sua importância como protetor, fonte de bênçãos e símbolo da pureza é universalmente reconhecida e celebrada.