Ogãs no Candomblé:

Os Pilares da Autoridade e da Devoção nos Terreiros

 No coração das casas de Candomblé, existe uma figura masculina de suma importância e profunda reverência: o Ogã. Longe de ser apenas um participante, o Ogã é uma autoridade, um pilar que sustenta o Axé e garante a fluidez dos rituais e a harmonia da comunidade. Vamos mergulhar nos papéis, responsabilidades e a essência desses importantes membros.

Quem são os Ogãs?

 Os Ogãs são as autoridades masculinas nos terreiros de Candomblé, com um posto hierárquico abaixo do sacerdote ou sacerdotisa (o babalorixá ou iyalorixá). Eles são considerados auxiliares diretos e são essenciais para o funcionamento da casa. O termo "Ogã" é uma denominação do povo iorubá.

Em outras nações do Candomblé, eles recebem nomes distintos:

  • Na nação Fon, são chamados de Runtó/Huntó.
  • Na nação Bantu, são conhecidos como Xicaringôme/Xicarangoma ou Tata Cambono.

Uma característica fundamental, assim como as Ekédis (ou singular, Ekedi), é que os Ogãs não entram em transe.

Como um homem se torna Ogã?

 A integração de um homem ao corpo de Ogãs de uma casa de Candomblé pode ocorrer de diversas maneiras:

  • Escolha do Sacerdote: Podem ser escolhidos pelo babalorixá (ou iyalorixá) entre os frequentadores da casa, em reconhecimento aos seus serviços prestados ou pela amizade e lealdade que mantêm com o terreiro.
  • Apontamento Divino: Podem ser apontados como candidatos à confirmação, muitas vezes descobertos através do Jogo de Búzios.
  • Vocação Direta do Orixá: Ocorrem casos em que são "suspensos" (escolhidos e chamados) diretamente pelo orixá "dono-da-casa" ou por um orixá específico que os escolheu.
  • Confirmação Sacramental: Tornam-se Ogãs confirmados após cumprirem suas obrigações sacramentais e receberem uma faixa identificatória com o nome do seu cargo. Esta faixa é usada em grandes festas e os acompanha mesmo após a morte, simbolizando seu compromisso eterno.

A preparação litúrgica do Ogã, embora com ligeiras variações e liturgias menos complexas, assemelha-se à do Iyawo (referido como Yiaô na fonte). Os rituais propiciatórios incluem ebós, banhos purificatórios e o Borí. Importante notar que, na maioria das casas de Candomblé, Ogãs e Ekédis não são "raspados", nem recebem oxú ou Kelê, distinguindo-os dos iniciados.

Funções, Responsabilidades e Conduta Moral

 O Ogã ocupa um cargo de total confiança dos zeladores do Axé, de grande importância e que confere um certo status a quem o possui. Justamente por isso, exige-se uma boa postura moral e conduta exemplar.

Alguns aspectos cruciais de seu papel:

  • Lealdade e Fidelidade: Devem ser leais e fiéis ao seu superior hierárquico, à sua casa e, principalmente, ao orixá que os escolheu, pois se tornam uma "propriedade" da divindade. A negligência dessas responsabilidades pode levar o orixá a "tomar de volta" o cargo.
  • Atuação Diversificada: Atuam em diversas áreas da casa, como no salão principal, no quarto dos orixás, no quarto de Exu, nas matanças rituais e nos toques (percussão).
  • Restrições Rituais: Apesar de sua importância, Ogãs não participam diretamente dos rituais de iniciação de Iyawo (ou Yiaô) e de outras liturgias de senioridade. Eles são "preparados", mas não "feitos" (feitos), o que os impede de participar de rituais de feitura. Esta distinção não os desmerece, mas limita sua participação em certas liturgias sagradas.
  • Liderança de Emergência (Limitada): Um Ogã não pode ser um babalorixá. No entanto, em algumas casas, ele pode assumir o Axé em momentos de emergência, sempre com o auxílio de outra pessoa, mas jamais poderá ser intitulado "babalorixá".
  • Conduta Religiosa: O Ogã deve compreender desde cedo seu elo direto com o orixá. Seu comportamento deve ser direcionado religiosamente em tudo o que faz na casa, pois isso reflete na comunidade. A soberba e a vaidade não devem fazer parte de sua vida religiosa; agir corretamente garante o respeito, inclusive dos mais antigos.

 Seus principais atributos incluem: educação, amor pelos instrumentos sagrados, habilidade para conduzir os orixás (através da música), autoridade com outros Ogãs e convidados, boa receptividade e civilidade com os irmãos de Axé.

A Evolução do Papel do Ogã: História e Atualidade

 Tradicionalmente, os Ogãs (junto com as Ekédis) eram o "esteio financeiro" das casas de Candomblé, sendo responsáveis pelas festas de seus orixás patronos. Enquanto as Ekédis cuidavam das roupas do orixá e da comida da festa, os Ogãs eram responsáveis pelos animais (bichos) para os sacrifícios e pelas bebidas.

 Atualmente, essa dinâmica se modificou em algumas casas, sendo comum que suas obrigações financeiras sejam realizadas na mesma época da festa do orixá do babalorixá/iyalorixá.

 Outra mudança notável é a questão do igbá (assentamento do orixá). No passado, Ogãs e Ekédis geralmente não possuíam um igbá particular para seu orixá. Suas obrigações eram feitas no ojubó (um assentamento coletivo) ou no igbá do seu babalorixá. Contudo, modificações estão ocorrendo, e em alguns Axés, essas pessoas já podem cuidar do seu igbá particularizado.

A Essência da Conexão: Os Atabaques e a Comunicação Divina

 O papel religioso do Ogã é de suma importância e está longe de ser meramente decorativo. Entre suas variadas obrigações, destacam-se os cuidados com os atabaques. Os atabaques são o principal instrumento de comunicação do ser humano com os orixás, complementados pelos toques e as danças.

 O contato do Ogã com esses instrumentos sagrados deve ser de profundo respeito, lembrando que eles são sacralizados e preparados liturgicamente, assim como ele próprio. Exigem dogmas e cuidados específicos em seu manuseio. É o toque do Ogã que chama as divindades, trazendo-as de volta à terra para se irmanarem com os homens. As mãos, a boca e o corpo do Ogã são os veículos para essa conexão, e por isso, devem estar fortalecidos e límpidos.

 Comportamentos como o consumo de bebidas alcoólicas, interações sexuais indevidas, vaidade, prepotência, inimizades e o uso de drogas trazem energias negativas, que podem causar desarmonia e desestabilizar a comunidade.

Cargos Específicos dos Ogãs

 Existem diversos cargos de Ogãs, cada um com funções e responsabilidades específicas dentro da casa de Candomblé. Alguns dos mais conhecidos incluem:

  • Alabê (iorubá): O chefe dos tocadores de atabaques, responsável por dirigir os demais Ogãs nas festividades e alvoradas. Também cuida da conservação dos instrumentos e atua como relações-públicas da casa.
  • Axogum (asógún): Aquele que realiza os sacrifícios rituais para os orixás. Na nação Bantu, esse cargo pode ser chamado de Kambondo pocó ou Tata-musati.
  • Onilu: O tocador do atabaque conhecido como ilu.
  • Assobá (asógbá): Muito ligado a Omolu e seus cultos, cuida também dos pertences de Nanã, Egum e Exu.
  • Alagadá: Cuida das ferramentas de Ogum.
  • Oju odé (ojú odé): Cuida dos elementos de Oxóssi.
  • Balodé: Ogã do orixá Odé.
  • Oju obá (ojú oba): Posto de honra para pessoas de Xangô, especialmente se a casa pertencer a esse orixá. Possui dois auxiliares: o otum e o ossí.
  • Dorobá: Auxilia nas funções do orixá Xangô.
  • Alubim (alugbin): Cuida de Oxalufom e Oxaguiã.
  • Elemoxó (elèmòṣó): Cuida dos pertences e vestes de Oxaguiã.
  • Lein: Cuida de Ogum, cargo exclusivo para filhos de Ogum ou Oxóssi.
  • Gimu: Cuida dos pertences de Omolu, Nanã e Ossâim.
  • Obá odofim ou olofim: Cuidador da casa de Orixalá e Airá.
  • Abogum: Cuida de tudo relacionado a Ogum dentro da casa.
  • Olossâim: Responsável pelos pertences e assentamento de Ossâim.
  • Baba legã: Cargo exclusivo para a retirada das penas dos animais sacrificados.
  • Babá morotonã: Responsável por retirar as patas dos animais sacrificiais.
  • Pejigã (fon): Encarregado de cuidar do peji. Pode ser um sucessor do Axé, mas sem os atributos de um Doté.
  • Bagigã: Auxiliar do Pejigã.
  • Gaipê: Auxiliar direto do babalorixá.
  • Kalofé: Cargo honorífico de caráter social.
  • Kutó, gaitó ou gaintó: Tocador do , do calacolô ou de qualquer outro instrumento de ferro.
  • Kambandu (bantu): Dirige e cuida da conservação dos instrumentos musicais sagrados, sendo chefe dos tocadores de atabaques e responsável por recepcionar os visitantes.
  • Tata nvangi: Conhecido como "pai-pequeno", criador de "barcos" de iniciados.
  • Tatetu ndenge: O "pai-pequeno" do terreiro.
  • Tata kinsaba: Ogã responsável pela colheita de folhas.

 É importante ressaltar que existem muitos outros cargos de Ogã, alguns já esquecidos ou não utilizados no Brasil. Cada Ogã tem uma função primordial e, em terreiros com poucos Ogãs ou Ekédis, eles podem se sobrecarregar, assumindo múltiplas funções. O sacerdote tem a prerrogativa de escolher e entronizar os adeptos que mais intensamente farão parte da casa, auxiliando tanto fisicamente quanto materialmente.

Conclusão

 Os Ogãs são, sem dúvida, uma parte vital do Candomblé. Sua dedicação, conhecimento dos rituais e a habilidade de se conectar com o divino através dos atabaques os tornam verdadeiros guardiões da tradição e do Axé. Seu papel vai além da mera participação, sendo um elo essencial entre o plano terreno e o espiritual, garantindo a continuidade e a força da fé no Candomblé.