Os 400 Irunmonlés da Direita: 

Desvendando a Profunda Hierarquia Divina no Candomblé


 No vasto e complexo universo da religiosidade iorubá, e particularmente no Candomblé, a compreensão da hierarquia divina é fundamental para uma vivência e um entendimento aprofundados. Um dos conceitos mais importantes nesse contexto são os Irunmonlés da Direita, divindades ancestrais cuja importância e função, por vezes, são subestimadas ou pouco compreendidas no Brasil. Este artigo visa explorar quem são esses seres, seu papel na criação e a relevância de sua posição hierárquica.


Quem são os 400 Irunmonlés da Direita?


Os Irunmonlés da Direita são a denominação concedida a todos os orixás masculinos e patriarcas da criação. Conhecidos também como orixás agbá – que significa anciãos – são divindades de idade imemorial, distinguindo-se pela utilização da cor branca. A liderança e administração desses orixás são exercidas por Obatalá.


É importante notar que, embora o número 400 seja frequentemente associado a eles, estudiosos afirmam que essa cifra não denota uma quantidade exata, pois não há um número fixo. Contudo, é essencial que se inclua o número 1, Exu, o primórdio da criação, que é responsável pela movimentação e comunicação intergrupal.


Características e o Rigor dos Anciãos


Essas divindades masculinas são intrinsecamente ligadas à calmaria e lentidão, representando a serenidade, o equilíbrio e a harmonia. Devido à sua senioridade e ao seu aspecto "carrancudo", os Irunmonlés da Direita são frequentemente descritos como muito rigorosos e exigentes com os seres humanos. Eles preferem manter-se mais distanciados da humanidade, pois não compactuam e não costumam perdoar os erros. Causar um agravo a esses orixás pode trazer graves consequências a quem o promove.


O Papel Inestimável na Criação e Manutenção da Vida


A função primordial dos Irunmonlés é de uma magnitude cósmica. Foi Olorum quem outorgou a eles a condição de povoar o Aiê (a Terra) e de prover seus moradores com o dom da vida. A própria existência da vida no planeta, com uma atmosfera e ar respirável, é assegurada por sua atuação, conseguida pela força impulsiva de Exu, que por sua vez, é propiciada e transmitida pelo axé de Obatalá. Isso demonstra uma interconexão vital e hierárquica na sustentação da existência.


A Discussão sobre o Termo "Orixá": Uma Questão de Hierarquia


Um ponto crucial para aprofundar o entendimento é a discussão levantada por vários autores e historiadores: os Irunmonlés da Direita deveriam ser os únicos a utilizar o nome de "orixá". As demais divindades, como as "mães poderosas" e seus filhos (os ebóras), deveriam ser chamadas por seus epítetos.


A justificativa para essa distinção é que os orixás são os "geradores-ancestres", aqueles que efetivamente ajudaram a criar o mundo e tudo que nele existe. Após a criação do mundo, eles geraram as "divindades-filhas" e, posteriormente, criaram os homens, entregando-os aos cuidados de seus filhos divinos. Contudo, os Irunmonlés continuaram a exercer o comando da criação e da existência, deixando em cada grupamento uma divindade mais antiga e poderosa, um "funfun" em potencial, que funciona como um patriarca-criador-gerador nesse panteão.


A prática de chamar todas as divindades de "orixá", embora usual até os dias atuais, pode nivelar o peso na balança, o que não corresponde à verdade, pois "os filhos não têm a mesma bagagem de conhecimento e poder dos seus pais!". Apesar disso, o nome "orixá" tornou-se a correspondência para todas as divindades iorubás e é amplamente utilizado.


A Hierarquia para o Bom Funcionamento do Universo


A existência de grupos distintos de divindades, separados por características, personalidade, função social, ou temperamento (beligerante ou pacífico), demonstra uma organização intrínseca. Essa organização obedece a uma hierarquia que é essencial para o bom funcionamento do Universo, mantendo a estabilidade, a harmonia e a obediência. Esta estrutura hierárquica é claramente demonstrada no bom andamento das funções religiosas e sociais do Candomblé.


A Perda de Conhecimento no Brasil


Apesar da riqueza e profundidade desse conhecimento, o  pouco entendimento sobre os Irunmonlés no Brasil é atribuído à perda da concepção filosófica da hierarquia das divindades. Essa perda ocorreu durante a reconstrução do universo religioso iorubá em solo brasileiro.


É importante ressaltar que o objetivo de trazer essas explicações não é mudar ou transformar o pensamento ou a atuação de cada pessoa ou casa de Candomblé, Pelo contrário, busca-se oferecer uma maior compreensão aos iniciados sobre o "belíssimo, elaborado e intrincado universo dos irunmonlés e do candomblé".


Compreender os Irunmonlés da Direita é mergulhar nas raízes da criação e na estrutura fundamental do divino, enriquecendo a percepção sobre a complexidade e a sabedoria da tradição iorubá.