Olubajé: O Banquete Sagrado que Une Fé, Comunidade e Cura no Candomblé

Nesse artigos vamos abranger oque é o Olubaje, mas devo ressaltar que cada casa de candomblé realiza esse ato de acordo com as suas tradições.



O Olubajé, um termo de origem iorubá que se traduz como "Aquele Que Aceita Comer", ou poeticamente, "o banquete do rei", é um dos rituais mais significativos e respeitados no Candomblé. Celebrado anualmente, principalmente no mês de agosto, esta cerimônia vai muito além de uma simples festa; ela representa uma profunda conexão entre a fé, a comunidade e a busca pela saúde e pela vida.

 O Anfitrião: Obaluaiê/Omolu O Olubajé é uma homenagem anual dedicada a Obaluaiê/Omolu, o orixá que rege a cura, as doenças e a transformação. Conhecido como o "Rei da Terra" e "Senhor da Terra", Omolu transita entre os universos da saúde e das doenças, carregando mistérios. O ritual visa agradar essa divindade, buscando cura, livramento e perdão, pois a ambiguidade entre saúde e doença faz parte de seus domínios.

 As Lendas que Fundamentam o Ritual A origem do Olubajé é narrada por diversos itans (lendas) que ensinam sobre humildade e superação. Uma das mais conhecidas conta que Xangô, um rei vaidoso, deu uma festa em seu palácio e excluiu Obaluaiê devido à sua aparência doente e pobre. Ao descobrir a ofensa, os outros orixás se revoltaram e foram pedir desculpas a Omolu. Omolu, então, aceitou perdoá-los sob a condição de que, uma vez por ano, ele daria uma festa onde todos seriam reverenciados, e a comida seria compartilhada de forma humilde e igualitária, com Xangô comendo a seus pés e ele aos pés de Xangô. Embora a lenda original mencione Xangô comendo aos pés de Obaluaiê, é importante notar que Xangô e Ogum não se manifestam no Olubajé devido a outros itans. Xangô não participou da zombaria de Omolu e foi poupado de sua cólera, e Ogum tem uma oposição mítica com Nanã, que é figura central na celebração.

 Outro itã crucial para o entendimento do Olubajé é o da cura de Omolu. Nascido com o corpo coberto de chagas e abandonado por Nanã, ele foi acolhido por Iemanjá. Durante uma festa, Iansã, com seu vento, levantou a palha que cobria Omolu, e suas feridas se transformaram em uma chuva de pipocas brancas, revelando sua beleza e brilho. Este itã simboliza o poder de Omolu de varrer a peste e o mal, sendo a pipoca um elemento central no ritual.

 O Ritual e Seus Símbolos Principais 

 O Olubajé é um ritual exclusivo das casas de Candomblé, sendo obrigatório em terreiros onde houve iniciação de Obaluaiê há menos de sete anos ou se o zelador é desse Orixá. Não deve ser feito em casas de Umbanda, nem se não houver filhos de Omolu ou se o zelador não for de Omolu.


A cerimônia é rica em simbolismo:

  • Preparação do Terreiro: O terreiro é ornamentado nas cores de Obaluaiê. É a única cerimônia no Candomblé que dispensa o Ipadé de Exu. O banquete é servido fora do barracão, em uma choupanazinha de palha construída para esse fim.
  • A Procissão das Comidas Sagradas: Inicia-se com o som do adjá. Uma fila indiana se forma, liderada pelo Babalorixá/Yalorixá, seguida por uma filha de Iansã que carrega a esteira, outra com o Aluá (bebida sagrada), e uma terceira com Ewe Lara (folha de mamona) que servirá de prato. Vinte e uma ou sete pessoas transportam vasilhames de barro com comidas de todos os Orixás (exceto Xangô), que são dispostas sobre a esteira.
  • Participação Coletiva e Humildade: Todos os presentes, inclusive os assistentes, devem estar descalços. Três dos iniciados mais antigos servem as comidas em folhas de mamona. A participação é coletiva: todos devem comer um pouco de cada comida, utilizando apenas as mãos. Esse ato reforça a união, a renovação de energias e a gratidão, lembrando que todos são iguais perante a vida e a morte.
  • Cantigas e Dança: Durante o ritual, cantigas em louvor a Orixá são entoadas, acompanhadas de palmas pausadas (paó). O cântico "è arayè Olubajé, Olubajé ajeun nbó" ("povo da terra, o senhor aceitou comer, vamos comer e adorá-lo") ressalta a sacralidade do momento. Curiosamente, somente Obaluaiê dança e canta enquanto todos comem o que lhes é oferecido.
  • Folha de Mamona (Ewe Lara): As comidas sagradas são servidas em folhas de mamona, uma planta que simboliza a morte, enquanto as comidas representam a vida. Essa dualidade simboliza a superação e a transformação. A esteira também está ligada à palha e à libertação da morte, servindo de proteção.
  • O Deburu (Pipoca): A pipoca é a iguaria principal oferecida a Omolu. No ritual, quando Omolu lança as pipocas, é como se estivesse limpando todos os presentes, levando embora as doenças do corpo e da alma. O deburu jogado é um ebó positivo, e aqueles que estão para se iniciar ou com problemas ligados ao Orixá podem sentir-se mal nesse momento.


 O Olubajé como "Grande Ebó": 

 Cura e Vitalidade Coletiva O Olubajé é descrito como um "grande ebó" (oferenda ou ritual com propósito específico) proporcionado por Obaluaiê, que traz livramento e saúde. É considerado um "grande ritual coletivo de manutenção da saúde" e uma celebração da vida em sua forma mais essencial e compartilhada. A cerimônia reforça a máxima de que "não adianta ter todas as riquezas do mundo se não se tem saúde", reafirmando a crença do Candomblé na cura não apenas física, mas também espiritual.

 Dualidade, Reflexão e Comunidade O mês do Olubajé é um período para refletir sobre as ações e trabalhar em silêncio pelos objetivos, seguindo o exemplo de Omolu, cuja saudação "Atotô" significa "silêncio, ele está entre nós". A iyalaxé Marcela Ferreira explica que Omolu representa a dualidade dos sentimentos, onde o que germina no coração – seja saúde ou doença – depende da intenção.

 O Candomblé é uma religião necessariamente comunitária, onde a transmissão do conhecimento ocorre no dia a dia e na convivência na "roça" (terreiro). O culto aos orixás deve ser feito na roça, e não em casa, para manter a tradição e o fundamento. A cerimônia do Olubajé é a base da comunhão da comunidade com Obaluaiê.

 Embora o Olubajé seja uma festa restrita a Omolu, ele convida a todos para seu banquete. Em algumas casas de Candomblé Ketu/Nagô, a Família Jí (ou Unjí) – que inclui Omolu, Nanã e Oxumarê, e às vezes Iroko, Ossãe e Yewá – é um grupo de divindades cultuadas separadamente que podem ser homenageadas em conjunto nesta celebração, especialmente em agosto.

 Em suma, o Olubajé é um banquete sagrado de cura, humildade e renovação que simboliza a superação das adversidades e a importância da união e gratidão dentro da comunidade do Candomblé. É um testemunho da profunda sabedoria e tradição africana que continua a inspirar e curar.